IMPACTO ECONÓMICO DA FUNDAÇÃO DE SERRALVES
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PREFÁCIO
Até há pouco, tanto a teoria económica dominante como o senso comum dos agentes económicos
tendiam a menosprezar o papel da cultura no processo de desenvolvimento económico e social. Os modelos de
crescimento económico neoclássicos sublinham o papel da tecnologia, remetendo a dimensão cultural para um
fator residual que procura captar o que os modelos não conseguem reproduzir ou explicar. Neste contexto, a
cultura surge como um serviço ou uma fruição a que se acede na medida do rendimento gerado e da preferência
revelada ao nível individual e coletivo, isto é um gasto sem retorno e, por consequência, o oposto de um
investimento. Neste entendimento, o desenvolvimento económico está associado a um maior rendimento e,
como consequência, a uma maior disponibilidade e apetência para o consumo de bens culturais, para o
mecenato dos indivíduos e para as políticas culturais de uma dada comunidade. Isto significa que a teoria
económica menosprezou o papel da produção cultural na produção de riqueza através da transformação das
normas e das relações sociais que estão incrustadas nas estruturas das diferentes sociedades e que permitem
que os indivíduos coordenem as respetivas ações para alcançar os objetivos desejados. Menosprezou o papel
da produção cultural na alteração dos comportamentos individuais, através das alterações dos valores e das
preferências. Em suma, menosprezou o papel da produção cultural na transformação do que designa por capital
social de uma dada comunidade. Todavia, a evidência histórica e os processos de desenvolvimento territorial,
tanto regional como local, demonstram que as normas sociais e os valores individuais estão correlacionados
com as trajetórias passadas e presentes de desenvolvimento de uma dada comunidade e de um dado território e
que há uma relação entre as instituições históricas, a cultura e o desenvolvimento económico. As instituições e a
cultura interagem e modelam o funcionamento da sociedade e influenciam os incentivos e o comportamento dos
agentes económicos e políticos. A evidência histórica e analítica estabelece uma interação entre a cultura e a
economia, em que a produção cultural tem uma dupla função: uma função de integração, na medida em que
confere sentimento de pertença, confiança recíproca e identidade à população de um dado território; e uma
função de transformação, na medida em que, a partir do seu interior, repõe continuamente em questão as visões
e os valores que estruturam essa identidade, numa pulsão criadora que determina a própria dinâmica de
desenvolvimento económico e social. Isto é, a evidência histórica e analítica demonstra que a cultura e a arte, e
as correspondentes produções, são fatores determinantes do grau de criatividade de uma dada sociedade e de
uma dada economia e, como consequência, obrigaInos a integrar a dimensão cultural na formulação das
estratégias de desenvolvimento territorial, regional ou local (como a experiência dos países escandinavos, a
partir dos anos noventa do século passado, tão bem ilustra).
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