IMPACTO ECONÓMICO DA FUNDAÇÃO DE SERRALVES
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O menosprezo da teoria económica pelo impacto da produção cultural e artística sobre o processo de
desenvolvimento teve por contrapartida uma resposta simétrica do lado dos agentes culturais e artísticos. Os
agentes culturais também têm tendência para ignorar a sua relação/interdependência com a realidade
económica da sua envolvente, tanto do lado do financiamento da sua atividade como do lado do impacto do seu
trabalho sobre o processo de desenvolvimento socioeconómicos dessa mesma envolvente. A defesa da
autonomia da produção cultural, condição necessária da sua função de transformação, induziu a ideia de que a
sociedade deve prestar apoio sem qualquer obrigação utilitária dos agentes do campo cultural, ignorando estes
que a extensão da sua intervenção está dependente da capacidade para financiar a atividade cultural e, por
consequência, do nível de desenvolvimento da comunidade onde operam; e ignorando ainda que a produção
cultural e artística tem efeitos económicos primários e secundários bem como, num terceiro nível, tem também
efeitos processuais e invisíveis que induzem uma comunidade dinâmica e uma acumulação de capital cultural
tangível e intangível. O desprezo dos atores da cultura pela economia da comunidade em que estão inseridos
constitui, assim, uma dupla armadilha para os próprios agentes culturais: por um lado, não lhes permite entender
que há uma relação de causalidade que vai da economia para a cultura, através da disponibilização dos meios;
e, por outro lado, não lhes permite reivindicar os efeitos económicos que a sua produção tem sobre essa mesma
realidade económica, através do reforço do capital social.
Há, assim, que reconhecer que as correntes dominantes tanto do lado da teoria económica como do lado
da cultura padecem de uma miopia que limita a sua compreensão das dinâmicas social, económica e cultural
que pretendem explicar ou influenciar. Há uma relação de mútua causalidade entre economia e cultura, pelo que
a dimensão cultural tem que fazer parte das estratégias de desenvolvimento local e regional. Mas isto significa
também que não só é legítimo, como necessário, escrutinar os efeitos económicos primários, secundários,
processuais e invisíveis das diferentes estratégias e das diferentes políticas culturais, sem que tal signifique pôr
em causa a autonomia dos respetivos agentes/produtores. Deste modo, é crucial que as instituições dos campos
da cultura e da criação artística também invistam na identificação dos efeitos que a sua ação tem sobre a
competitividade, o produto e o emprego de uma dada região, não obstante a sua reduzida rendibilidade direta e
a natureza difusa de parte desses efeitos. E que assumam que, não obstante estar demonstrada a relação
causal entre a cultura e o desenvolvimento económico de um dado território, nem todas as estratégias culturais
têm idêntico retorno. TrataIse afinal de reconhecer que a alocação de recursos à cultura e à criação artística
constitui um investimento no futuro de uma dada sociedade e de uma dada economia e, como corolário,
reconhecer a necessidade de otimizar esse investimento pela avaliação dos seus efeitos económicos diretos e
indiretos.